top of page

PERFIL

Do Brasil para o mundo em um clique

Caroline Gomes

Teófilo Efrahin

 

Os 91 anos que distanciam Maria Lango da Hungria a tornam, de fato, uma brasileira. Com um cumprimento forte, possui cerca de um metro e meio de muita disposição. As mãos seguem o ritmo da fala: pausada e bem colocada, além do andar rápido, da simpatia estampada no sorriso e da memória admirável.

Maria Lango se apresentou para a entrevista em um lugar que considera sua casa: a Universidade Metodista. Lá mantém o ritual de duas vezes por semana reunir-se para caminhadas com um grupo de amigos.

 

Nascida na Hungria em 19 de abril de1920, Maria Lango chegou com os pais e o irmão no Porto de Santos em 1924. Seu pai, Miguel Meszaros, era ferramenteiro e veio contratado pela Companhia Antarctica Paulista, fábrica de cerveja nascida em 1888 que ficava no bairro Mooca, região símbolo da industrialização da cidade de São Paulo. Era comum, na época, trazer imigrantes europeus para ajudarem nesse processo.

 

A família morou inicialmente no bairro Ipiranga, em um cortiço. Mas os constantes problemas com as enchentes fizeram com que eles mudassem para o bairro Vila Maria, onde também tiveram problema com enchentes. O de 1927 levou tudo, uma vez que a casa era de madeira. “Papai construiu uns pilares de três metros de altura, para que a outra enchente não levasse nossas coisas embora”, recorda.

 

Mas o pior estava por vir dois anos depois. Lango e a família saíram para um passeio no rio Tietê - quando este era um importante ponto de lazer da capital paulista, antes da poluição que se tornou sua marca - no feriado de 15 de novembro de 1929, quando o chefe da família pegou um resfriado forte, que viria a se transformar em uma pneumonia que o vitimaria naquele ano.

 

No mesmo bairro que presenciou tantas enchentes, Maria estudou até o quarto ano no Grupo Escolar João Vieira de Almeida, hoje uma escola estadual. A mãe, Bárbara Meszaros, tendo que arcar com a criação dos dois filhos, começou a trabalhar em uma fábrica de alpargatas, no bairro do Belenzinho. Hoje a região é uma referência da indústria e do comércio têxtil, com milhares de imigrantes bolivianos servindo de mão de obra barata. Para ajudar a mãe - e, posteriormente, o marido -, fez curso de corte e costura, e trabalhou como costureira durante 60 anos.

 

Casou-se em 1938 com Miguel Lango, quando tinha 18 anos. O marido, um marceneiro, morreu em 1982, vítima de um câncer de pulmão, fruto do fumo. Tiveram duas filhas, uma em 1939 e a outra em 1940.

 

Hoje, além das duas filhas, Maria tem quatro netos e quatro bisnetos. Ela faz parte do coral da igreja há dez anos, mantém um blog, cuida da casa, e não pensa em parar tão cedo.

 

Pertencente à família operária - e tendo, também, sido uma -, Maria Lango diz que na época de sua chegada no Brasil não havia muitos aparelhos de rádio, que veio a se popularizar na década de 1930, durante o governo de Getúlio Vargas. Entretanto, o primeiro aparelho foi comprado pela mãe apenas em 1942. Maria o descreve com um desenho no ar, uma caixa de 25 centímetros de largura, 20 de altura e 10 de profundidade, nada muito exato.

 

Era difícil sintonizar as frequências dos sinais. Não havia uma faixa mais específica e ouvia-se o que tinha. Podia ser uma transmissão de notícias políticas ou de músicas. Ela lembra de ter ouvido sobre Luiz Carlos Prestes, sobre a Revolução Constitucionalista de 1932, além das notícias sobre a Segunda Guerra Mundial, na década de 1940.

 

Apesar disso, Maria Lango disse que as informações sobre a política brasileira nunca foram seu principal foco de interesse, nem de sua família. Lembra-se com mais propriedade do impeachment de Fernando Collor, em 1992.

 

Nunca teve grande interesse pela televisão, e seu primeiro aparelho foi adquirido apenas em 2011. Hoje, basicamente, acompanha somente novelas.

 

Maria veio para o Brasil como parte de uma família católica. Em 1996, já com 76 anos de idade, converteu-se à religião metodista, através da influência de uma amiga. Por meio de Universidade Metodista fez um curso de três anos de duração e se formou assistente social em 2003.


Iniciava-se aí uma relação maior com a Universidade. Entrou para o “Aquarela da Terceira Idade” – atualmente, denominado “Projeto Aquarela”, que visa proporcionar a troca de conhecimentos entre as diferentes gerações por meio de atividades diversas.

Ela, o computador e a internet

No meio de tantas histórias e experiências vividas, a conexão de Maria Lango com a internet ganhou destaque nos últimos anos. Ela se inscreveu para o curso de computação em 2012, com total apoio da família. Os netos deram o computador e a impressora. Quando perguntada sobre o que dizer para os idosos que não têm acesso à internet, disparou: “não sabem o que estão perdendo”.

 

Segundo Maria, na internet é possível fazer novas amizades, realizar pesquisas e conhecer o mundo. Com o auxílio da professora Irene Rocha, montou o blog “Bivovó Maria Lango”, em 2013, pela plataforma “Blogger”, do Google. E foi justamente através do Google que se deu a primeira experiência com a internet, uma ferramenta de busca que, segundo ela, “nos permite viajar”. Com contas no Facebook, Skype, endereço de e-mail, além do próprio blog, ela usa a internet essencialmente como meio de comunicação, a fim de estar sempre em contato com familiares e amigos.

 

O blog de Maria é atualizado constantemente. O nome “Bivovó Maria Lango”, que aparece em destaque na página da web, é seguido de um subtítulo descritivo criado por ela mesma: “Sou húngara, com 95 anos e apaixonada pelo Brasil e meus netos, bisnetos”.

 

“Bivovó Maria Lango” tem mais de mil visualizações. No blog é possível encontrar fotos e vídeos de momentos de confraternização com seus amigos da Universidade Metodista, com registros de reuniões, aulas e das comemorações de aniversários.

 

Antes do blog atual, Maria Lango havia montado outro para a oficina “Cidadania da internet”, com o auxílio da professora Irene da Rocha. Nele, a lógica era a mesma: postagens de fotos com legendas e breves descrições. A diferença estava no foco: as diversas temáticas com o a qual o Projeto Aquarela trabalhava – e continua trabalhando. Assim, no blog mais antigo podemos ver imagens de idosos em aulas de dança, de computação e em reuniões espirituais.

 e confira o passo a passo da criação de um blog

O blog tem a função de uma rede social, onde são divulgados momentos da participação em grupo da vida de Maria Lango, em um formato semelhante ao que vemos em uma “timeline” do Facebook. Esta ferramenta, o blog, geralmente é usada para postagens de textos, fotos e vídeos, em que são escolhidos temas específicos ou assuntos pessoais. A diferença no uso por parte de Maria Lango está na ausência de textos, lá estão títulos que descrevem os conteúdos das postagens.

 

Pela internet é possível aprender e encontrar tudo

A facilidade de uma publicação no blog e no Facebook é a mesma. A diferença é que, no Facebook, temos que passar por uma “timeline” que vai oferecer uma série de outros conteúdos, de páginas pessoais ou não, e teremos uma interação com tudo o que aparece lá. Já o blog é uma página fechada, de conteúdo exclusivo onde a interação também é possível, porém apenas com o dono do site.

 

 São diferenças sem importância para Maria Lango. Ela diz que o fundamental é a presença em grupo das pessoas, para que estejam sempre juntas, dividindo experiências. “Estou muito feliz no projeto e espero continuar fazendo parte dele por muitos anos. É uma terapia para mim. Estar em conjunto e poder dividir nossas histórias de vida e nossos problemas com o próximo, apoiando um ao outro, é uma alegria”, afirma ela sobre o Projeto Aquarela.

A principal dificuldade no uso da tecnologia está no problema de visão. Maria Lango perdeu totalmente a visão do olho esquerdo, e mantém apenas vinte por cento da visão do olho direito. Para este problema não adianta usar óculos. Uma das netas comprou uma tela de computador maior, visando facilitar o uso.

 Ela não faz grande uso do celular justamente por isso, já que as teclas do aparelho são demasiadamente pequenas. Mas também não se empolga muito, prefere o computador de mesa, mais tradicional.


Maria Lango ressalta, ainda, a importância da internet em sua vida, especialmente como um canal de

comunicação. “Com a internet, estou sempre atualizada. Além disso, a utilizo como forma de diversão, pois posso viajar para lugares distantes na rede. Pela internet é possível aprender e encontrar tudo”, completa.

bottom of page